Pular para o conteúdo principal

Rampa da Esperança: Lula e o Brasil que escolheu a democracia


Por Leonardo Formentini – Assessor Parlamentar

Gabinete – Deputado Luiz Couto

Lula volta ao Planalto em 1º de janeiro de 2023 como quem encerra um ciclo de retrocessos e reabre, com método, a arquitetura de políticas que marcou seus dois primeiros mandatos. A imagem da posse, sem antecessor para passar a faixa, ladeado por representantes do povo, entre os quais a primeira dama Janja da Silva acompanhada do cão/cachorro de estimação do casal, a catadora Aline Sousa, o menino negro Francisco, de 10 anos, Weslley Rodrigues Rocha, metalúrgico, a cozinheira Jucimara Fausto, o professor Murilo Jesus e o artesão Flavio Pereira, o ativista Ivan Baron, representando as pessoas com deficiência, e o cacique Raoni, condensou a promessa de “republicanizar” o símbolo do poder e recolocar os mais vulneráveis no centro da agenda. Foi um gesto de redemocratização e de reparo simbólico depois de anos de fissuras institucionais e de uma tentativa de ruptura em 8 de janeiro de 2023.

Nos governos Lula 1 e 2, ergueram-se os pilares sociais e produtivos que mudaram o patamar do Brasil: o Bolsa Família como política de renda; o ProUni e, depois, o Sisu, para democratizar o acesso ao ensino superior; a expansão das federais (REUNI) e a criação dos Institutos Federais (Lei 11.892/2008), com capilaridade inédita; o PAA para comprar da agricultura familiar e alimentar quem mais precisa; e a rede do SAMU como porta de entrada do SUS. Essa engrenagem combinou inclusão com investimento, e o país chegou ao auge do crescimento em 2010, após ampliar matrículas e interiorizar oportunidades.

Durante o governo Dilma Rousseff, muitas das políticas iniciadas por Lula foram consolidadas e novas agendas foram implementadas. No campo da educação, Dilma criou o Pronatec, ampliando a formação técnica e profissional; sancionou a Lei de Cotas nas universidades federais (Lei 12.711/2012), que garantiu acesso mais justo ao ensino superior; e expandiu programas como o Ciência sem Fronteiras. Na saúde, destacou-se o Mais Médicos, que levou atendimento a regiões carentes do país, fortalecendo a Atenção Básica do SUS. Além disso, Dilma manteve o compromisso com a valorização do salário mínimo, expandiu o acesso à energia elétrica pelo Luz para Todos e investiu em habitação popular por meio do Minha Casa, Minha Vida. Esses avanços ajudaram o Brasil a sair do Mapa da Fome da ONU em 2014, resultado do conjunto de políticas sociais e de segurança alimentar. Apesar das conquistas, Dilma foi afastada em 2016 por meio de um processo de impeachment amplamente contestado, caracterizado por diversos juristas e organismos internacionais como um golpe parlamentar, baseado em alegações frágeis das chamadas “pedaladas fiscais”, que posteriormente foram reconhecidas como práticas administrativas legítimas e não configuraram crime de responsabilidade.

Após seus dois primeiros governos, Lula virou alvo de uma perseguição judicial-política que culminou em 580 dias de prisão e na sua retirada forçada da eleição de 2018. A virada veio com decisões categóricas: em 2021, o STF anulou as condenações por incompetência da 13ª Vara de Curitiba e, depois, reconheceu a parcialidade de Sérgio Moro no caso do tríplex; osprocessos foram remetidos a Brasília e, na sequência, arquivados. Em 2022, o Comitê de Direitos Humanos da ONU concluiu que houve violação aos direitos políticos de Lula e que Moro foi parcial. No mesmo ciclo, a responsabilização alcançou figuras centrais da Lava Jato, como Deltan Dallagnol, que teve seu mandato cassado pelo TSE. O resultado foi a reabilitação jurídica e política de Lula por vias institucionais, a restauração de suas garantias e o retorno às urnas com um mandato orientado à reconstrução democrática.

A transição para Michel Temer reorganizou prioridades com um receituário de austeridade rígida (teto de gastos por 20 anos, reforma trabalhista), reposicionando o Estado e abalando redes de proteção. Não por acaso, a literatura especializada e análises de políticas públicas têm descrito o governo Temer como “ponte” programática e simbólica para a ascensão do bolsonarismo: desconstituiu consensos, normalizou discursos antissistema e abriu espaço para uma agenda ultradireitista, cujo ápice foi a tentativa de golpe de Estado após a derrota de 2022, pela qual Jair Bolsonaro foi condenado pelo Supremo.

Lula 3 começa, então, como obra de reconstrução. Em 2023–2025, o governo recompôs o orçamento da Saúde (com a PEC de transição) e reativou programas paralisados ou esvaziados, Farmácia Popular (hoje com elenco 100% gratuito), Mais Médicos, Brasil Sorridente, reestruturou governança fiscal (novo arcabouço) e aprovou a reforma tributária do consumo (IVA dual), além de retomar o Minha Casa, Minha Vida, lançar o Novo PAC e recolocar a participação social (Consea e conselhos) como método de decisão. Também operou um mutirão de crédito e alívio financeiro, com o Desenrola Brasil, e retomou a política de valorização do salário mínimo e a correção da tabela do IR, ampliando o número de isentos. Tudo isso ancorado em metas de expansão escolar em tempo integral e na reindustrialização orientada por missões públicas.

O efeito político da posse, a faixa entregue por quem raramente pisa no parlatório do poder, encontra correspondência material nessas escolhas: saúde e medicamentos gratuitos; mais médicos na ponta; escola em tempo integral com meta de 3,2 milhões de matrículas até 2026; dívidas renegociadas para 15 milhões de brasileiros; e, nas engrenagens fiscais, um desenho que combina responsabilidade e espaço para investimento social. Em suma, a fotografia do alto da rampa não ficou no álbum: ela virou orçamento, lei e entrega.

Para frente, o que esperar de um “Lula 4”, caso venha, a agenda está menos na invenção e mais na execução com escala e qualidade: concluir a implementação da reforma tributária (leis complementares e governança do IBS), dar vazão ao Novo PAC com prioridade para logística de baixo carbono, saneamento e conectividade; consolidar a reindustrialização (saúde, bioeconomia, transição energética, digital e defesa); e blindar instituições contra aventuras autoritárias, lição amarga de 2016/2023. A continuidade da valorização do salário mínimo, da atualização da tabela do IR e da escola em tempo integral reforça a renda das famílias e o capital humano, enquanto a participação social e a vigilância democrática asseguram que a política pública responda à sociedade, e não a círculos de poder. O país que reaprendeu, na posse de 2023, que a faixa é do povo, pode aprender, na prática, que crescimento com inclusão e democracia vigilante não são slogans: são rotinas orçamentárias, tecnicamente calibradas e politicamente sustentadas. Lula simboliza, assim, a reinvenção de um Brasil melhor e preparado para o futuro.

Comentários